O governo Lula (PT) anunciou nesta quarta-feira (13) o plano de contingência para amparar empresas afetadas pela sobretaxa de 50% imposta a produtos brasileiros pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Uma das medidas é a criação de uma linha de crédito de até R$ 30 bilhões para ajudar as companhias que foram prejudicadas pelo tarifaço. Além de um recorte setorial, o governo fez uma avaliação individual para mapear aquelas mais impactadas, pois mesmo dentro de uma mesma atividade há empresas mais ou menos dependentes das exportações aos EUA.
Na véspera do anúncio, Lula já havia antecipado que a medida priorizaria pequenas empresas, além de exportadores de produtos como tilápia e mel. As ações estão em uma MP (medida provisória), com vigência imediata e que precisará ser apreciada pelo Congresso em até 120 dias. O pacote recebeu do governo o nome Plano Brasil Soberano.
O ministro Fernando Haddad (Fazenda) disse que essa é uma “primeira medida, pode não ser a única”. O objetivo do governo é atender aos mais atingidos nesse primeiro momento, mas o Executivo já monitora possíveis efeitos em outras atividades. Segundo o ministro, os EUA têm adotado uma postura agressiva nas exportações de soja e algodão, o que pode gerar problemas internos no Brasil.
Além da linha de crédito, o pacote prevê o diferimento de tributos (um prazo adicional para que as companhias efetuem o pagamento dos impostos) e uma reformulação mais ampla do FGE (Fundo de Garantia à Exportação), criado para cobrir riscos em operações de crédito a vendas ao exterior.
“O FGE passa a contar com recursos liberados para financiar, a custo baixo, os setores afetados pelo tarifaço, mas não só. Vamos atender prioritariamente quem foi atingido, mas o fundo passa a operar em todo o setor exportador”, disse Haddad. Segundo ele, haverá ainda outro pilar, que é a concessão de um seguro para os exportadores.
O vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), que também é ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, disse que outra medida é a ampliação do Reintegra, programa que prevê o ressarcimento de parte dos tributos para empresas que exportam manufaturados. Segundo ele, a devolução será de 3% para as empresas exportadoras, chegando a 6% para as de pequeno porte.
Haddad disse que essa ampliação valerá até o fim de 2026, pois em 2027 começa a valer a reforma tributária. Segundo ele, o novo sistema vai ampliar a competitividade das companhias brasileiras no mercado externo, sem necessidade do Reintegra.
O governo ainda vai estender por um ano o drawback, mecanismo que garante a suspensão, isenção ou devolução de tributos sobre insumos adquiridos para a produção voltada à exportação. O plano também prevê compras feitas pelo poder público de parte dos produtos que deixarão de ser exportados em decorrência do tarifaço, sobretudo os perecíveis.
“É um conjunto de medidas procurando atender o setor produtivo para garantir emprego, produção e abertura de mercado”, disse.
O anúncio ocorreu no Salão Leste, o menor dos três salões que no segundo andar do Palácio do Planalto. Na plateia, estão principalmente ministros, secretários e técnicos do governo, além de parlamentares de partidos da base aliada e lideranças de centro, como os deputados Antonio Brito (PSD-BA) e Isnaldo Bulhões (MDB-AL).
Lula chamou os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), para participar do evento, um gesto que busca demonstrar uma frente unida dos Poderes contra os efeitos do tarifaço. O presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria), Antonio Alban, também participou da cerimônia e classificou as medidas como um “paliativo”.
Na segunda-feira (11), em entrevista à GloboNews, Haddad já havia indicado que a MP traria medidas consideradas estruturais.
“Nós estamos fazendo uma reforma estrutural no FGE, com o suporte dos demais fundos, para garantir que não só os grandes, mas toda empresa brasileira que tiver vocação de exportação vai ter instrumentos modernos para fomentar a exportação para o mundo inteiro. Porque muitas das exportações brasileiras vão ter que mudar de destino”, disse na ocasião.
Segundo ele, a estratégia brasileira é buscar novos mercados para as empresas que hoje dependem das exportações aos Estados Unidos e ficarão prejudicadas pela sobretaxa.
A MP também inclui uma cobrança por manutenção de empregos para empresas que acessarem o socorro. A exigência, porém, terá previsões de flexibilização para empresas muito afetadas. Nesses casos, elas poderão apresentar outros tipos de contrapartida.
A sobretaxa de 50% sobre produtos brasileiros foi anunciada em 9 de julho e está entre as maiores instituídas para países que exportam aos EUA. Ao oficializar o tarifaço via decreto, Trump excluiu cerca de 700 itens brasileiros da taxação. Destes, 565 estão relacionados ao segmento de aeronaves e 76 a petróleo, carvão, gás natural e seus derivados. Entre os alimentos, escaparam apenas castanhas-do-pará e polpa e suco de laranja.
O decreto que implementou as tarifas deixou clara a motivação mais política que econômica ao citar o nome de Jair Bolsonaro (PL) e dizer que o ex-presidente —réu no STF (Supremo Tribunal Federal) em processo que apura trama golpista em 2022— sofre perseguição da Justiça brasileira.
O café e a carne ficaram de fora da lista de exceções, itens considerados relevantes para os EUA. Diante dessa importância, a ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) chegou a afirmar que havia a perspectiva de que os americanos reconsiderassem taxar os dois itens, mas isso não ocorreu até o momento.
Desde a confirmação do tarifaço, o governo brasileiro tem realizado reuniões com representantes do empresariado, incluindo representantes de setores como indústria, alimentos, tecnologia, entre outros, para entender os principais impactos e verificar as demandas de cada área. Os representantes das companhias pediram urgência para amenizar os efeitos negativos sobre a produção e os empregos.
O anúncio desta quarta é resultado dessas conversas, conduzidas diretamente por Alckmin. Ele também manteve contato institucional com os EUA por meio do secretário de comércio, Howard Lutnick, embora o governo tenha enfrentado dificuldades em estabelecer uma negociação com os americanos na tentativa de reverter a situação.
Mariana Brasil, Idiana Tomazelli e Ricardo Della Coletta, Folhapress
Foto: José Cruz / Agência Brasil